Tendo-me com árvores. Entendo-me com elas. Desfolhadas ou de copas cheias, é na seiva que o interior do mundo se reflete, assim como os banhos de lua das marés. Em diálogos de vento há mais dança que qualquer corpo morto, sopro de vida solta como quem vai e volta. Quando quer. Inteira aorta. Sentar na raiz para bater à porta, reclinando tronco ao tronco, nessa troca intensa e incensória entre um sim e outro ser. Ramifincar os pés é como refolhar após longa chuva.
Tantos termos em voga, tanta moda estragada. Quanta toga furada de juiz de direito com desculpa esfarrapada. Quanto empoderamento esfregado na cara do politicamente correto, armado com dedo médio na mídia social, pronto para denunciar qualquer opinião contrária. Tanto empoleiramento de caráter, tamanha a opressão. Fuga dos galinhas. Juventude sem rua nasceu para brigar do portão para dentro de casa, com suas regalias. Tem medo de largar o controle, o país, os pais, o patrão, a mulher ou o marido, porque insiste em aceitar abusos, fingindo que ama-de-todo-coração, produzindo canudos, pilhas de certificados e filhos e contas e cartões e sermões de missa hipócrita, imposta à massa submissa à eleição da televisão. Quando não há Deus, há negação. Autoria vencida de gente barbuda altamente qualificada em cometer suicídio. Que se repete na bibliografia de quem não repetiu de ano, mas nunca passou um pano no chão. Quantas falas interpenetradas haverão até se ser compreendido? Na censura, além de carreiras destruídas, haverá o perdão? Arte. Ó, a arte! Será mais bela por ser transmutada a alma do homem-lixo? Mas haverá Arte assim tão divinal ante tanta cancela fechada? Fechar as bocas de aguarrás será mais causticante que os de boca rasa? Paremos de julgar.
VIÉS
Teu olhar me come
E num instante insone te percebo
Cedo ou tarde
Quando vens me arder em sonho
E me interponho em mão covarde
Porque estremeço
Então vejo teu lábio cortado pelo frio
E me enfio nas cobertas das lembranças
Ali te aqueço
Quanto mais quero esquecer
CATACLISMO
A raça humana ainda persiste na ilusão da separatividade, por isso mata, decompõe a natureza, vinga-se do próprio espelho e desconstrói o sentido caduco da terminologia “religião” – do latim, religare, deixando de se unificar ao próprio mestre interior, esquecendo-se de que ela é o próprio deus e não esses outros quaisquer que estão no comando, a mando de não sei quem, qual seja a entidade ou representação.
A maioria, não sendo capaz de atuar como sujeito de princípio ativo e se responsabilizar por seus atos – falhos ou não, sujeita-se a ser nada além de sombra em caverna, comidinha na mão dos patrões, eterna vítima desses ladrões de alma. Projeta-se sempre ao exterior, ao ditador, ao príncipe, ao invisível promissor, porque olhar para si do lado de dentro parece dilacerante. Miseravelmente, liga-se à prestidigitação canhestra da televisão, que veste o mau gosto, elege a tragédia preferida e induz passividade à massa anticrítica até uma completa aniquilação de sensibilidades.
Assim, frequenta a esquizofrenia desses templos vários e se fragmenta, justamente por não se apropriar da própria divindade. Quem acredita nesse deus da morbidade, nunca há de se sustentar como indivíduo. O Amor não é teatro. Portanto, abrace tudo o que é vivo enquanto há tempo, mas nada que te faça indigno, nenhuma coisa que te acomode inválido. Sentimento nunca deveria ser assassinado, em qualquer parte do mundo, porque jamais seremos uma perna extirpada se nos adequarmos ao abraço do universal. Estaticidade nunca alargará um horizonte já eclipsado. O brilho, que deveria ser próprio, reflete das telas direto para os rostos aficionados. Redes sociais. Sabemos cada vez mais de um tudo sem ainda percebermos o todo ou quão valemos aos olhos dos outros. Quem se importa?
Ser o que se é, preto, mulher, aleijado, criança, gringo, aborto ou selvagem garantirá mais coragem como reserva salvacionista nos próximos anos. Mire a verdade, mije no fuzil, não vote à cabresto, nem que seja gado. Seja grato. Tolere, repense, crie, medite. Beije a boca das borboletas, componha um novo adágio, abandone relacionamentos falidos e convicções reducionistas, pois cada caso é um caso. O prazo é curto. Destrua miragens num piscar de olhos chorosos – o colírio vira néctar quando saímos para flertar com o intraduzível.
ACLIMATAÇÃO
IMERGÊNCIA
Não tema o mergulho,
esguicha o orgulho de lado no lago do amar.
O espelho das águas é encontro com teu próprio eu,
sem que este seja o ego sujo pelas mágoas,
cego ante os mais belos transbordamentos.
É o véu de si que se magoa fácil.
Nossa vida é água indócil.
Fluidifica, submerge, emerge e transcende.
Bebe do teu tempo que é agora!
PAOLA
FENESTRA
Escancaro ao que caro me é.
Da janela, cada piscar de olhos limpa a brisa do que se interpõe à nossa frente.
Dança dos distantes.
Delírio dos ausentes.
Destino dos instantes.
Uma só lente.
PAOLA
CALEIDOSCÓPTICO
Quantos olhares espelham outros mundos? Iridologia!
Quantos vãos profundos hão de nos guiar à travessia?
Quantas miras em desfiladeiros de paisagem ocultas?
Quantas piscadelas mais umectarão vertigens outras?
ERA
Não há mal que o tempo faça senão por tua conivência. O entusiasmo, a mentira, a glória ou a violência, tudo passa. Memória é para se guardar em vidro que racha com o vento, mas dá alento enquanto dali, bem preso, não vaza. Pode demorar um ano, dez, cinquenta qualquer cicatriz, por muito que entrave quem a diz ser tão profunda. Há cura a quem não se amargue dessa vida. Há colheres de chá e de açúcar, conversas e silêncios em pitadas. Cedo ou tarde, o alarme acordará quem se arme por desespero. Na espera de tudo se acabar, acabam-se de medo.
Enquanto não vem o esquecimento, procura lembrar…
O sol é uma ficha telefônica para os que se perderam em pores-de-sol de antigamente. Completar a ligação é unir os pontos e perceber o luar do outro lado da linha. Nas entrelinhas, percebem-se as estrelas que ainda pairam no céu: o teu será o mesmo que vejo? O futuro está nos olhos da cigana, que, pela gana por dinheiro, esqueceu de ler a própria mão. Quais são os teus pesadelos? Sonhos são mais hábeis. Abrem-se mil destinos. Escolhe a eternidade, que na tua idade ainda é coisa de menino.